
Quando Borges escreve em seu livro de areia o conto “O outro”, nós, leitores, nos deparamos com um sujeito que reencontra o seu passado as margens de um rio temporal e inevitavelmente nos lembramos da metáfora heracliana, mas somos surpreendidos , pois a memória não obedece ao rigor do tempo.
No conto, o já velho e cego Jorge Luis Borges reencontra o jovem e sonhador Jorge Luis Borges, este acredita estar vivendo um sonho, o velho acredita estar vivendo alguma forma inacreditável de realidade e nós leitores acreditamos que tudo é parte da ficção fantástica do autor.
Mas a verdade é que o que se discute no conto “O Outro” é a maneira como a memória organiza as informações contidas em cada etapa da vida e como a ficção remonta essa realidade vivida sobre um prisma literário que inevitavelmente a modifica. O Autor diz no conto: Afinal ao rememorar não há pessoa que não se encontre consigo mesma e este reencontro não é fácil, pois a memória permite que se reveja o passado mas a vida não permite que se anteveja o futuro , o jovem sonha com quem ele realmente se tornará e é apenas um sonho , mas o velho sabe quem foi, sabe o que viveu , participa efetivamente de sua história que ficou para trás mas sabe também que não poderá intervir no que já se foi.
Presente e passado são metaforizados para tratar de um único elemento que é a construção da ficção pela memória. Se reencontrar é um fator decisivo para o escritor , não há ficção que não transporte o elemento humano , é inevitável que o sujeito escreva sobre o que viveu , sobre o que conhece , mesmo que não escreva sobre sua vida e muitas vezes a ficção se mostre de forma muito diversa da realidade o escritor imprime em sua escrita tudo aquilo que ele vivenciou.
Assim ao reencontrar o seu passado Borges relembra reconta e repensa a sua história e é isto que faz a literatura o que ela realmente é, um emaranho de ilusões vividas modificadas pelo olhar do escritor.

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